domingo, 7 de agosto de 2011

Jornal da Poesia

ALVARES DE AZEVEDO

Biografia
Filho de Inácio Manuel Álvares de Azevedo e Maria Luísa Mota Azevedo, passou a infância no Rio de Janeiro, onde iniciou seus estudos. Voltou a São Paulo (1847) para estudar na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, onde desde logo ganhou fama por brilhantes e precoces produções literárias. Destacou-se pela facilidade de aprender línguas e pelo espírito jovial e sentimental.Durante o curso de Direito traduziu o quinto ato de Otelo, de Shakespeare; traduziu Parisina, de Lord Byron; fundou a revista da Sociedade Ensaio Filosófico Paulistano (1849); fez parte da Sociedade Epicureia; e iniciou o poema épico O Conde Lopo, do qual só restaram fragmentos.Não concluiu o curso, pois foi acometido de uma tuberculose pulmonar nas férias de 1851-52, a qual foi agravada por um tumor na fossa ilíaca, ocasionado por uma queda de cavalo, falecendo aos 20 anos. A sua obra compreende: Poesias diversas, Poema do Frade, o drama Macário, o romance O Livro de Fra Gondicário, Noite na Taverna, Cartas, vários Ensaios (Literatura e civilização em Portugal, Lucano, George Sand, Jacques Rolla), e a sua principal obra Lira dos vinte anos (inicialmente planejada para ser publicada num projeto - As Três Liras - em conjunto com Aureliano Lessa e Bernardo Guimarães). É patrono da cadeira 2 da Academia Brasileira de Letras.

OBRAS
Devido a sua morte prematura, todos os trabalhos de Álvares de Azevedo foram publicados postumamente.
• Lira dos Vinte Anos (1853, antologia poética);
• Macário (1855, peça de teatro);
• Noite na Taverna (1855, contos);
• O Conde Lopo (1886, poema épico que resta apenas em fragmentos hoje)
Álvares de Azevedo também escreveu muitas cartas e ensaios e traduziu para o português o poema Parisina, de Lorde Byron, e o quinto ato de Otelo, de William

Lembrança de Morrer


Quando em meu peito rebentar-se a fibra,
Que o espírito enlaça à dor vivente,
Não derramem por mim nenhuma lágrima
Em pálpebra demente.

E nem desfolhem na matéria impura
A flor do vale que adormece ao vento:
Não quero que uma nota de alegria
Se cale por meu triste passamento.

Eu deixo a vida como deixa o tédio
Do deserto, o poento caminheiro,
– Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro;

Como o desterro de minh’alma errante,
Onde fogo insensato a consumia:
Só levo uma saudade – é desses tempos
Que amorosa ilusão embelecia.

Só levo uma saudade – é dessas sombras
Que eu sentia velar nas noites minhas…
De ti, ó minha mãe, pobre coitada,
Que por minha tristeza te definhas!

De meu pai… de meus únicos amigos,
Pouco - bem poucos – e que não zombavam
Quando, em noites de febre endoudecido,
Minhas pálidas crenças duvidavam.

Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda,
É pela virgem que sonhei… que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!

Só tu à mocidade sonhadora
Do pálido poeta deste flores…
Se viveu, foi por ti! e de esperança
De na vida gozar de teus amores.

Beijarei a verdade santa e nua,
Verei cristalizar-se o sonho amigo…
Ó minha virgem dos errantes sonhos,
Filha do céu, eu vou amar contigo!

Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz, e escrevam nela:
Foi poeta - sonhou - e amou na vida.

Sombras do vale, noites da montanha
Que minha alma cantou e amava tanto,
Protegei o meu corpo abandonado,
E no silêncio derramai-lhe canto!

Mas quando preludia ave d’aurora
E quando à meia-noite o céu repousa,
Arvoredos do bosque, abri os ramos…
Deixai a lua pratear-me a lousa!





EXPLICAÇÃO DO POEMA

A expressão de angústia, do sofrimento, da dor existencial marca grande parte dessa produção da 2ª geração romântica, conhecida também como Mal do século, Byroniana (numa alusão ao poeta inglês Lord Byron) ou fase Ultrarromântica. Do desequilíbrio existencial resulta a fuga na fantasia, no sonho, a obsessão pela morte e a atração por paisagens sombrias. É o chamado ´´lirismo da descrença``, do qual Álvares de Azevedo é o poeta mais representativo.
Sua obra, influenciada também pela sua personalidade adolescente, revela ambigüidade, indecisão: ora aspiras aos amores virginais e idealiza a mulher; ora descreve-a erotizada e degradada. Foi o poeta brasileiro que mais se deixou contagiar pelo ´´Mal do século``, influenciado sobretudo pela leitura de autores como Byron, Musset e Goeth. A temática do tédio e da morte, o ceticismo e o culto do funéreo atravessam toda a sua obra; a angústia, a descrença e o satanismo estão presentes até mesmo no lirismo amoroso, no qual o amor e a felicidade se mostram como coisas inatingíveis.
Álvares de Azevedo escreveu também obra em prosa, da qual se destacam os contos do livro Noite na taverna. Neles, criaturas marginalizadas são personagens de enredos ambientados em cenários escuros, tétricos.
Na poesia do mal do século, marcada por forte subjetivismo, o poeta expressa uma visão pessimista da vida. Felicidade e realização amorosa são objetivos inatingíveis. O eu lírico mergulha na depressão, no sonho e no devaneio. Por isso a perspectiva da morte é sempre lembrada.
´´Lembrança de morrer`` é formado por estrofes de quatro decassílabos (12 quartetos), com exceção da primeira, em que o último verso (4º) é hexassílabo (esquema rítmico 2-6). O segundo e o quarto versos de cada estrofe rimam entre si (versos pares); em alguns casos, o primeiro e o terceiro apresentam rima soante (rimam apenas as vogais das sílabas tônicas). O texto tem um tom grave e melancólico. Esse poema, como o próprio título sugere, aborda o tema da morte prematura, ainda na juventude, como era comum na época em que viveu o autor. A função emotiva da linguagem, predominantemente no poema, revela uma característica do Romantismo: o subjetivismo.
Nas três primeiras estrofes do poema, o eu lírico refere-se a sua própria morte. É interessante salientar que a morte (metáfora constante na poética do autor) é apresentada, em linguagem figurada, por meio de eufemismos (figura que atenua) como, por exemplo, na expressão: ´´rebentar-se a fibra / Que o espírito enlaça à dor vivente``. Essa deliberada vontade de morrer resulta de uma visão pessimista da existência humana (característica ultrarromântica). Em tom de despedida, o eu lírico pede, na 1ª estrofe, para que não chorem por ele: ´´Não derramem por mim nem uma lágrima/ Em pálpebra demente. ``
Nada o prende à vida, dela não se leva qualquer lembrança. Acredita que encontrará na morte o que em vão procurou em vida, a ausência de dor. Por isso, na 2ª estrofe, considera necessário que não se entristeçam (´´Não quero que uma nota de alegria/ Se cale por meu triste passamento``) e não coloquem flores (pureza que ´´adormece ao vento``) sobre o seu corpo (matéria impura).
Na 3ª estrofe, o eu lírico compara a morte a duas situações: o caminhante empoeirado que deixa o tédio do deserto (verso que apresenta enjambement) e um pesadelo do qual se desperta com o toque de um sino. Ambas as situações sugerem que a morte, para o eu lírico, é um alívio, uma libertação de uma situação de sofrimento.
Então a vida é morte, é pesadelo e também solidão. Na 4ª estrofe, observamos a imagem do exílio (desterro), em que a alma é consumida por um fogo insensato, o fogo da paixão sublimada, que no entanto deixa uma saudade. É a manifestação do eu lírico na ilusão amorosa.
Na 5ª estrofe, o pessimismo e a morbidez são os traços românticos que nela se evidencia, pois o eu lírico está claramente cansado da existência. Entediado e desiludido, anseia pelo fim. Novamente manifesta saudades: das sombras sentidas durante as noites de insônias e da mãe, fiel em velar o filho, na proximidade da morte.
Na 6ª estrofe, o eu lírico destaca o amor paterno e à fidelidade dos poucos amigos que, durante a doença, não zombaram de seu ceticismo (´´Minhas pálidas crenças duvidavam``). Essa espécie de tédio melancólico constituía o cerne do ´´Mal do século``(também chamado de spleen), a combinação de enfado, cansaço e desilusão que boa parte da juventude intelectual assumia como postura existencial.
Na 7ª estrofe, o amor e a felicidade são retratados como coisas inatingíveis (sonhado e não concretizado). Uma lágrima ainda cai dos seus olhos e, se resta um sopro de vida em seu peito, é graças à virgem dos sonhos do eu lírico, que nunca o beijou: ´´E pela virgem que sonhei.../ que nunca os lábios me encostou a face linda``(versos em que o esse tipo de amor ´´idealizado`` aparece claramente.
Na 8ª estrofe, o eu lírico declara as alegrias que esse sonho lhe causou (razão de sua existência). A virgem intocada, nunca beijada (estilo mulher-anjo da tradição medieval), que deu flores e esperança à mocidade, para que um dia pudesse gozar dos seus amores.
Na 9ª estrofe, a morte surge como plano superior de realização amorosa: é depois dela que o sonho do beijo será realizado com a mulher que é virgem e filha do céu. . A expressão ´´virgem dos errantes sonhos``, constante na poesia de Álvares de Azevedo, é produto de um ideal de pureza inconciliável com a realidade – razão pela qual ´´o sonho amigo`` do eu lírico (o gozo dos amores) só poderá ser realizado em uma outra esfera. A paixão pela morte e a impossibilidade de realização amorosa alia-se o tédio de viver, que pode ser observado no mesmo texto: há poucos motivos para saudades.
A 10ª estrofe é quase uma síntese do Romantismo. O eu lírico pede para ser enterrado com um epitáfio (uma inscrição que se coloca sobre o túmulo) que pode ser lido como um lema ultrarromântico (´´Foi poeta – sonhou- e amou na vida``) uma vez que contém elementos essenciais dessa tendência: o poeta da segunda geração valoriza essencialmente o sonho e o amor (e os dois elementos associados – o amor que existe apenas no sonho) em sua poesia. Outros elementos descritos expressam as ideias românticas:
´´Cruz``: referência a fé cristã;
´´Leito solitário/floresta dos homens esquecida``: referências à morte e atração mórbida por ela.
A 11ª estrofe é marcada pela personificação ou prosopopéia que ocorre quando o eu lírico se dirige às sombras do vale e às noites da montanha pedindo: ´´protegei o meu corpo abandonado / E no silêncio derramai-lhe canto``. Esse procedimento confere ao poema um caráter lúgubre e mágico.
Na última estrofe (12ª), o eu lírico reforça essa relação intimista com a natureza (funções reservadas para a natureza após sua morte). Pede para que os arvoredos abram espaços e deixem que a lua pranteie e ilumine sua sepultura. Que, assim, a natureza o conforte e lhe dê aconchego
Entre os vários textos confessionais de Álvares de Azevedo, ´´Lembrança de morrer`` (escrito trinta dias antes da morte do poeta, foi lido em seu enterro pelo romancista Joaquim Manuel de Macedo) é um dos mais significativos por abordar diferentes angústias e ansiedades do poeta do Mal do século.
Estão presentes no texto a fixação pela morte como solução dos problemas, o egocentrismo, a virgem sonhada, a solidão, o ambiente familiar, o clima crepuscular, a visão do cemitério (chegando o poeta a escrever o seu próprio epitáfio: ´´Foi poeta – sonhou – e amou na vida``). No poema de Álvares de Azevedo, a morte é bem-vinda, representa um alívio para o tédio, o fardo que é a vida. Essa visão carrega os conceitos típicos do Ultrarromantismo.

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